O mal dos livros

21/09/2006

009 - Musica

Na tarde seguinte, ao chegar da escola, tinha à minha espera uma senhora alta, de penetrantes olhos azuis e longos, magníficos, cabelos louros. Fiquei ainda mais intimidado depois das apresentações. Ela era estrangeira, norueguesa e apesar do seu sorriso e do sotaque divertido, aquilo não prometia vir a ter piada nenhuma. O piano, regressado à sua habitual verticalidade, parecia rir-se de mim com os seus dentes restaurados. O Jaime fora recambiado para o quarto dele e depois também a tia Júlia se retirou para que eu pudesse ter a minha primeira aula de música. Porque, embora o plano fosse ensinarem-me a tocar piano, eu primeiro tinha de aprender música, por isso, nas primeiras aulas pouco toquei. A Runa (era o nome da professora) teve de começar por me ensinar a ler e a escrever música, com enorme paciência. Durante semanas apresentou-me o mundo das pautas, compassos, claves, mínimas, semínimas e colcheias. Era um conceito interessante, como se podia escrever num papel os sons que se ouviam, mas aqueles símbolos não significavam nada para mim. A minha relação com a escrita musical era totalmente abstacta, mesmo que ela tocasse as notas no piano. E quando ela se apercebeu disso, compreendeu que tinha de começar por me fazer ouvir música e por isso, durante algumas aulas, pouco mais fizémos que dedicar-nos à audição de discos que ela trazia. Começámos por clássicos agradáveis e didáticos como “Pedro e o Lobo” de Prokofiev e “The young persons guide to the orchestra” de Britten, que ela ia comentando, mas por fim chegou o momento que me marcaria a fogo. Quando eu, arrepiadinho até aos ossos pela abertura da “Carmina Burana” de Carl Orff, tive de lhe perguntar para confirmar:
“Mas isto está escrito? É possível ler ISTO de um papel?”
Ela deu uma gargalhada, mas depois, percebendo o que eu queria dizer, assentiu seriamente com a cabeça. E foi isso, mais do que qualquer outra coisa, que me pôs na disposição de aprender tudo o que ela tivesse para me ensinar.
O Fortuna, velut luna…

1 Comentário(s):

O Fortuna
velut luna
statu variabilis,
semper crescis
aut decrescis;
vita detestabilis
nunc obdurat
et tunc curat
ludo mentis aciem,
egestatem,
potestatem
dissolvit ut glaciem.

Sors immanis
et inanis,
rota tu volubilis,
status malus,
vana salus
semper dissolubilis,
obumbrata shadowed
et velata and veiled
michi quoque niteris;
nunc per ludum
dorsum nudum
fero tui sceleris.

Sors salutis
et virtutis
michi nunc contraria,
est affectus
et defectus
semper in angaria.
Hac in hora
sine mora
corde pulsum tangite;
quod per sortem
sternit fortem,
mecum omnes plangite!

O Fortune,
like the moon
you are changeable,
ever waxing
and waning;
hateful life
first oppresses
and then soothes
as fancy takes it;
poverty
and power
it melts them like ice.

Fate - monstrous
and empty,
you whirling wheel,
you are malevolent,
well-being is vain
and always fades to nothing,
you plague me too;
now through the game
I bring my bare back
to your villainy.

Fate is against me
in health
and virtue,
driven on
and weighted down,
always enslaved.
So at this hour
without delay
pluck the vibrating strings;
since Fate
strikes down the string man,
everyone weep with me!

By Blogger Daniel J. Skråmestø, at 11:46 da manhã  

Comente

<< Home